Só faltava essa!                                    Qua, 02 de Fevereiro de 2011 20:56                              por              Lia Ribeiro Dias                                       
                    
 
   Anatel agora fiscaliza compartilhamento doméstico de banda larga. Episódio revela falta de critérios da fiscalização.
 
Quando li a notícia, não acreditei, pois é o exemplo mais  acabado de desvio de função. Mas infelizmente a notícia, publicada pelo  portal 
180 Graus,  em 28 de janeiro deste ano, é verdadeira. Tem nome e sobrenome.  Resumindo: um fiscal da Anatel de Teresina, no Piauí, aplicou uma multa  de R$ 3 mil em três vizinhos que compartilhavam uma banda larga da Oi,  do serviço Velox, por meio de um roteador wireless.
A alegação do  gerente da Anatel no Piauí, Carlos Bezerra Braga, entrevistado pelo  portal, é de que é proibido dividir o acesso à internet fora de uma  mesma edificação e de que havia indícios de que o detentor da assinatura  do serviço estaria cobrando dos demais pelo compartilhamento do Velox. E  isso é vedado pela legislação pois “somente empresas com autorização  emitida pela Anatel podem explorar serviços de telecomunicações do  país”.
A notícia, reproduzida por jornais de grande circulação e  diferentes portais, sites de notícias e inúmeros blogs, causou  indignação. Afinal, a Anatel tem muitas coisas muito mais importantes a  fiscalizar do que o compartilhamento doméstico de banda larga. Que tal  garantir que as operadoras prestem serviços de qualidade; que reduzam os  erros nas contas; que as ligações celulares se efetivem na primeira  chamada (estamos voltando, na telefonia móvel, aos tempos da linha  ocupada da telefonia fixa?); que os orelhões funcionem e ofereçam todos  os serviços (no final do ano, uma turista no interior do Pará não  conseguiu fazer ligação a cobrar de nenhum orelhão de lugarejos como  Juruti Velho)?
Mesmo que a legislação proibisse o  compartilhamento de acesso banda larga doméstico, certamente na área de  atuação do sr. Braga há demandas com muito maior impacto na população do  que fiscalizar um cidadão que divide sua banda larga com amigos para  reduzir os custos da assinatura, sem prejudicar ninguém, a não ser os  cofres da operadora. No entanto, os argumentos legais usados pelo  gerente da Anatel não são consensuais. Na opinião de Paulo Gustavo  Sepúlveda, do escritório de advocacia Viana&Viana, que assumiu a  defesa dos usuários multados, o compartilhamento, sem fins lucrativos,  não é ilegal pois não caracteriza prestação de serviços de provedor. Em  entrevista ao 180 Graus disse: “Entendo que o compartilhamento do acesso  através do roteador wireless não fere a legislação específica nem o  contrato com a operadora, uma vez que a velocidade e a capacidade do  link permanece a mesma, tendo um, três ou mais usuários conectados ao  mesmo tempo”.
Mas a discussão que cabe aqui não é legal. O que  cabe discutir são os objetivos da fiscalização da Anatel, as prioridades  que devem ser estabelecidas e os limites do papel do fiscal. Se com as  normas atuais já assistimos a episódios como este, imaginem o que vai  acontecer depois que entrar em vigor os novos contratos de concessão  onde a Anatel autoriza que seus fiscais atuem nas concessionárias, com  acesso on-line ao seu banco de dados, sem precisar fazer nenhuma  comunicação à empresa ou a Justiça. Como alertou a jornalista Miriam  Aquino em seu artigo
 “Quem fiscaliza o fiscal” , a sociedade vai correr sérios riscos de medidas arbitrárias e de subordinação à autoridade discricionária de um fiscal.
Num  país onde, infelizmente, as operadoras de telecom se encontram na  liderança das reclamações dos usuários, ao lado de cartões de crédito,  pode um regulador sempre ser eficiente na fiscalização quando a denúncia  pende para o lado do mais fraco, do usuário que não tem dinheiro para  pagar os preços (ainda muito altos) da banda larga ou da rádio  comunitária dos movimentos sociais? Será que não há algo errado com os  critérios de fiscalização?
A única coisa positiva desse triste  episódio é revelar que banda larga popular é uma demanda mais que  urgente da sociedade brasileira. E o que se espera é que ele seja  emblemático para o governo acelerar a implantação do Plano Nacional de  Banda Larga, para os governos estaduais e as operadoras investirem na  banda larga popular e para a Anatel rever suas prioridades de  fiscalização e criar um código de ética para seus fiscais.
 * A Anatel enviou nota de esclarecimento informando que o usuário atuava como provedor de SCM sem licença. 
Acesse aqui para ler a nota.
" - Fonte - Telesíntese (
Só faltava essa!)