Software Livre e Preconceito: machismo
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em 29-09-2010 às 14:48 (4243 Visualizações)
Não sou a primeira nem serei a última pessoa a comentar sobre os preconceitos que aparecem com freqüência em conversas em comunidades de software livre, (do mesmo modo que leitores atentos já notaram meu pre-conceito com a nova norma ortográfica...).
Todas as comunidades que possuem um tema específico de "louvor", carregam consigo preconceitos que não são próprios da comunidade nem de seu tema, mas da própria sociedade em que estão inseridos.
Este é o segundo de três artigos que vou escrever sobre o assunto.
Ódio contra a Microsoft, machismo e endeusamento da pirataria são alguns dos temas recorrentes em comunidades de software livre, não como assunto principal da conversa, mas embutido em comentários paralelos, geralmente buscando obter efeitos cômicos.
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Hoje é sobre machismo. Quando comecei a frequentar o IRC (internet relay chat) em busca de ajuda para instalar e usar o linux, passei por situações muito malucas. Cantadas baratas... aos montes. Entrar no chat e ver cair na tela uma piada horrorosamente machista, todo dia. Sempre era mais fácil ajudar alguém se esse alguém pensasse que acris vinha de Antonio Cristiano ou André Cristo ou algum outro nome masculino. Muitas vezes passei horas dando suporte pra um sujeito que ficava me respondendo com "irmão", "amigo" e outras palavras que davam a entender que "eu era um homem"... Só uma vez, tendo sido reconhecida como mulher, consegui ficar tanto tempo dando suporte sem ser ignorada.
Mulheres no software livre: cansei de ver gente achando que mulher precisa de bengala pra usar linux, precisa de babá... Outros obrigando a namorada a usar um sistema que não conhece nem quer conhecer, e ficar ensinando, afinal, nada melhor que ser o senhor sabe-tudo...
Me lembra quando comecei a querer aprender surf. Entri numa comunidade de surf para mulheres na internet e não demorou um dia pra perceber que elas não queriam aprender a surfar, não queriam deixar de estar na areia, só queriam encontrar um surfista que ficasse feliz em tê-las esperando por ele na areia enquanto ele fazia suas manobras radicais.
Claro que toda regra tem sua excessão, mas não vim falar de excessões. Porque se machismo fosse excessão, nem precisava falar dele.
O negócio é que, independente da cultura e da idade, juntar um bando do sexo masculino ou do sexo feminino é abrir espaço para falar coisas sobre o outro sexo que normalmente não são faladas em comunidades mistas. O nerd que entrava no IRC todo dia com uma nova piada machista podia até não querer ser machista, mas estava contando que ali era, mesmo, um "clube do bolinha" e que ele podia fazer isso sem riscos.
O pai dá um micro pro filho usar no quarto e um secador de cabelo pra filha, depois dizem que mulher não tem interesse em usar computador. Mas o número de garotas que deixam de lado - ou não - o secador de cabelo e vão se aventurar no mundo binário aumenta a cada dia. Daí, inavisadamente, uma delas, duas talvez, caem num desses clubes do bolinha.
Ela é um estranho no ninho e quem tá no fogo é pra se queimar. Tratam-na como se ela soubesse que acessar uma sala chamada "webcam" é buscar encrenca (entrei de gaiato nesse navio e uma vez foi suficiente para presenciar pedofilismo escancarado). Só que eu entrei no #webcam porque fiquei curiosa de saber porque as pessoas tinham um canal chamado #webcam numa rede que não suporta vídeo... Mas entrei na comunidade de software livre porque queria aprender a usar o software livre e compartilhar meus conhecimentos. Deixei a Brasnet por conta disso: faltou aos Bolinhas daquele clube essa percepção do motivo pelo qual eu estava entre eles "apesar" de ser mulher.
Ok, então qual é a jogada? Fazem piadas machistas por diversão? Cantadas são só brincadeiras? Bom, nesse caso as mulheres, para serem aceitas nesse clube, precisam aceitar as cantadas e rir das piadas, pois só assim serão tratadas como igual. Melhor dizendo: nem assim, já que as cantadas... não são só brincadeira.
A presença feminina no software livre não só aumenta quantitativamente, mas também qualitativamente, não porque antes as mulheres não gostassem de computador, mas porque agora tem mais oportunidades de usar. Assim, a melhor atitude seria, de fato, criar um outro canal, pro clubinho, e levar menos na brincadeira o que significa suporte via chat.
Acha isso chato? Experimente entrar num clube do bolinha "travestido de mulher"... Mas não só travestido, procure entrar de corpo e alma. Você verá.
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