Uso de computador na escola: um engano?
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em 14-02-2008 às 11:02 (10239 Visualizações)
Quando vi o artigo na FAPESP sobre a pesquisa de desempenho de estudantes nas áreas de português e matemática, relutei muito em publicar na Underlinux. O peso de uma pesquisa feita na UNICAMP sempre é grande e eu estava desconfiada dos resultados. No entando, a Br-Linux e o Dicas-L resolveram publicar a notícia e me sinto, então, obrigada a escrever o que minha experiência acadêmica tem mostrado.
Que experiência é essa? Bom, quem sou eu? Professora da UFMG com doutorado em semiótica pela USP e pós-doutorado em fonética acústica pela UNICAMP, coordenadora de dois projetos acadêmicos que transitam na área de software livre e que participam do FISL desde 2006: o Semiofon (pesquisa sobre fala) e o Texto Livre (grupo de suporte à documentação em software livre).
Trabalho com computador em sala de aula desde 2005, na UFMG. O maior problema enfrentado é que os alunos em sua maioria não sabem usar computador e nem estão familiarizados com a Web. Gasto muito tempo ensinando isso. Mas porque insistir então? Porque os resultados são SEMPRE melhores. O método consiste em diminuir o foco da teoria para colocar na prática. É uma atividade bem ao modo da semiótica, uma teoria que entende a construção dos seus conceitos em via dupla: a teoria precede a análise mas análise pode rever a teoria e reconstruí-la.
O Texto Livre surgiu dessa experiência e do contato com as comunidades de software livre e hoje está bastante avançado na proposição desse método, que procuramos divulgar cada vez mais entre professores da nossa área.
Quanto à pesquisa, fiz questão de ler na íntegra o artigo publicado pelas pesquisadoras da UNICAMP (leia aqui) e constatei alguns pontos importantes:
- embora elas considerem que a escolaridade dos pais ou responsáveis pelo aluno possam interferir nos resultados, isso não é, de fato, levado em conta nas análises;
O computador não é uma varinha de condão, ele é uma ferramenta para ter acesso a uma infinidade de informações, desde informações úteis até aquelas que eu, ironicamente, chamaria de peçonhentas por seu conteúdo venenoso, ao passar informações erradas aos usuários.
- existem fatores não considerados para a conclusão final, mesmo alguns apontados por elas:
- o fato de que os alunos que mais têm acesso ao computador seriam aqueles que trabalham, portanto misturariam trabalho e estudo, de modo a obter notas menores
- o fato de que o uso de computador para fazer lições sem uma orientação específica dos professores nesse sentido pode realmente ter resultados catastróficos e
- a massiva maioria dos professores no Brasil não possuem formação adequada para trabalhar com computador;
O computador também é uma ferramenta de trabalho, para produção de conhecimento, por meio de diversos aplicativos, incluindo o programa R (de estatística, excelente programa open source), citado pelas próprias pesquisadoras.
Sendo assim, e para frear meu entusiasmo que encontraria mais mil exemplos, concluo que a abordagem dos resultados é ideológica. As pesquisadoras colocam a questão da ideologia em sua conclusão, e não estão erradas, mas deixam de dizer algo extremamente importante: toda tecnologia pode ser usada construtiva ou destrutivamente (veja-se a energia atômica), portanto tudo depende do preparo de quem fornece o acesso a essa tecnologia, no caso, pais e professores.
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